quarta-feira, 9 de junho de 2010

Um ano sem Michael Jackson… E daí?

Régis Tadeu


Em junho do ano passado, o mundo da música foi abalado por uma notícia que chacoalhou até mesmo os seus mais acomodados integrantes: Michael Jackson estava morto. Muita gente ficou chocada, os fãs se tornaram criaturas histéricas, a mídia encontrou um prato cheio para ocupar suas reuniões de pautas, artistas demonstraram sua solidariedade e seu senso de oportunismo politicamente correto em depoimentos emocionados, aquela coisa toda. Só que qualquer pessoa que estivesse acompanhando a trajetória do esquisito cantor sabia que isso mais cedo ou mais tarde iria acontecer e de maneira quase pantomímica.
Ficamos sabendo posteriormente que ele tomava doses cavalares de medicamentos, que estava cercado de uma enorme rede de puxa-sacos-baba-ovos, que sua família era tão maluca quanto ele, que todo mundo quis morder um pedaço de seu patrimônio – a irmã LaToya chegou a encostar um caminhão na entrada da mansão e pegou um monte de coisas da residência, enquanto o maquiavélico e mau caráter de seu pai aproveitou a morte de Jackson para promover seu selo. Tudo coisa de “gente fina”…
Pois bem, o tempo passou, as lágrimas dos fãs patetas secaram e… a vida continuou, claro. E continuou ainda mais rápida no show business. Depois de transformarem o velório do cara em um autêntico circo de aberrações, logo trataram de lançar um documentário, “This is It”, que mais parece um reality show, abordando os preparativos para uma hipotética maratona de 50 shows em Londres que jamais iria acontecer.
De lá para cá, vimos apenas que o culto à imagem que Jackson estabeleceu a partir da estapafúrdia massificação de seus clipes ajudou a criar fenômenos midiáticos desprovidos de conteúdo, como é o caso de Lady Gaga. Sua influência musical parece ter se perdido em uma névoa, dissipada pela total falta de atenção que as pessoas hoje em dia devotam ao ato de ouvir música, em uma época em que o “random” de um iPod é mais importante do que ouvir um disco inteiro, do começo ao fim.
No ano passado, logo após a morte de Jackson, escrevi o texto que você lê a seguir. É um modesto pensamento um velhinho que não se deixa mais levar por arroubos de emoção e idolatria na hora de analisar a música de maneira racional. Por favor, leia com atenção…

DEIXEMOS DE LADO AS LÁGRIMAS HIPÓCRITAS
É claro que o mundo inteiro está chocado com a morte de Michael Jackson. Mas é preciso ter um pouco de coragem para escrever o óbvio: todos choram pelo “antigo” popstar, aquele que gravou discos excepcionais, e não pela patética figura em que ele se transformou.
Vamos lá, faça uma autocrítica e não esconda sequer uma ponta de morbidez: quantas vezes você não se pegou ridicularizando a figura do cara, suas esquisitices, seu gosto pelo bizarro, seu ‘nariz de massinha’, sua brancura artificial e o diabo a quatro?

A influência musical de Michael Jackson parece ter se perdido em uma névoa, dissipada pela total falta de atenção que as pessoas hoje em dia devotam ao ato de ouvir música
A maioria dos admiradores – e não os fãs patéticos, que agora estão se desmanchando em choros convulsivos, que não foram trabalhar porque estão deprimidos com a morte de seu ídolo – sabe que a importância de Jackson para o show business não pode sequer ser colocada em um patamar conhecido deste planeta. A maneira como ele revolucionou a indústria dos videoclipes, por exemplo, permitindo que diretores levassem suas ousadias a extremos em termos de efeitos especiais que só foram utilizados pelo cinema alguns anos depois é mais do que digna de aplausos. Isso sem contar a qualidade que ele apresentou em alguns de seus discos, como Off the Wall, o melhor de todos – não, Thriller foi o seu trabalho mais famoso, mas não o melhor em termos musicais.
Mas para quem lida com música de uma maneira séria e racional, a pergunta neste exato momento é: por que ele não foi talentoso o suficiente para apagar o fracasso de seus últimos discos, principalmente do horrível e pretensioso Invencible? Por que ele não fez como todo mundo que se presta a construir uma carreira musical sólida em termos de qualidade até os dias de hoje, como fazem Paul McCartney, David Bowie e Bruce Springsteen?
A resposta é muito simples: porque faltou a Jackson aquela centelha da genialidade musical que o acompanhou desde os tempos de Jackson 5 até o lançamento de Thriller, a mesma centelha que foi capengando e diminuindo gradativamente até o punhado de canções razoáveis que ele reuniu no irregular Dangerous. A partir de um determinado momento de sua conturbada vida, a música perdeu a importância. Jackson acreditou que seria eternamente adorado independente do que fizesse. E isso é uma sentença de morte – artística e até mesmo pessoal – para quem viveu a música com tamanha intensidade.
Como não conseguia mais apresentar algum traço de criatividade, Jackson recorreu a factóides estapafúrdios, como a “agenda dos 50 shows” em Londres – chego a dar risadas quando encontro com alguém que realmente acreditou que ele faria tal pataquada -, mas isso pouco importa agora.
Michael Jackson está morto. Fisicamente. Porque, em termos artísticos, nos últimos quinze anos ele foi apenas um zumbi do qual todo mundo ria e tirava sarro. E são essas pessoas que hoje se mostram comovidas com o seu falecimento.
Mundo estranho este, não? Pense nisso…”
No próximo dia 25, quando a morte de Michael Jackson completar um ano, não faça como os fãs babacas, que vão passar o tempo todo chorando, que não irão trabalhar em sinal de luto, que vão fazer vigílias a luz de velas, essas baboseiras. Ponha para tocar um disco do cara, aquele que você mais gosta, e relembre o quanto ele foi genial. Esta será a melhor homenagem que você poderá fazer a um pobre coitado milionário que sucumbiu aos fantasmas de seu passado.

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