terça-feira, 22 de junho de 2010

Lições de dignidade e perseverança do Rush


POR REGIS TADEU

Semana passada, tive um momento muito bom em minha vida ao assistir dentro de uma sala de cinema bem confortável ao documentário Beyond the Lighted Stage, que mostra a trajetória de uma de minhas bandas favoritas de todos os tempos: o Rush. Foi sentado em uma poltrona confortável, ao lado de uma amiga que amo, que tomei contato mais profundo com a trajetória de um grupo de músicos responsável não apenas por algumas das mais saborosas lembranças afetivas de minha vida, mas também por me ensinar que era possível aprender inglês por intermédio da tradução de suas letras. Mas isso é uma outra história…
O que quero dividir aqui com você é a maravilhosa experiência que tive ao conhecer a vida de três músicos absurdamente talentosos, que durante uma carreira de mais de 40 anos arregimentaram, em iguais quantidades, admiradores fanáticos – e muito próximos da idolatria estúpida e cega – e detratores ferrenhos. Como foi possível um trio que jamais usou a mídia como estratégia de marketing, que nunca se pautou pelos aspectos cênicos e estéticos ditados pela “vanguarda” e que em tempo algum se encaixaram no rótulo “roqueiros-vagabundos-sujos-maconheiros-doidões-destruidores-de-quartos-de-hotéis” conseguir tamanha relação de amor/ódio? É justamente aí que entra as grandes sacadas deste sensacional e divertidíssimo documentário, dirigido pela dupla de diretores Scot McFadyen e Sam Dunn – este último o responsável por outro brilhante trabalho neste campo, Metal: A Headbanger’s Journey, que esmiuçou com precisão filosófica e antropológica o mundo do heavy metal.

O documentário Beyond the Lighted Stage foi dirigido por Scot McFadyen e Sam Dunn
Eu poderia escrever aqui uma resenha quilométrica a respeito do filme, mas não é esta a minha intenção hoje. Faço isto porque uma das coisas que mais chamou a minha atenção no documentário foi um artigo muito raro nos dias de hoje, não apenas no meio musical, mas no mundo todo: um amálgama denso de lealdade, perseverança e sinceridade.
Os personagens principais deste filme, claro, são os amigos de infância Geddy Lee e Alex Lifeson, mais o “garoto novo” Neil Peart – lamento, mas você vai ter que ver o filme para entender isso e mais algumas coisas que vou escrever daqui a pouco -, mas há uma série de personagens secundários importantíssimos para que a compreensão desta história. Os depoimentos – alguns deles hilários – de gente como Gene Simmons, Billy Corgan, Sebastian Bach, Kirk Hammett e Jack Black, entre outros, não apenas mostram o profundo respeito e admiração em relação ao trio, mas também deixam expostas as vísceras da futilidade que reina hoje no meio musical em geral, dominado por gente que não sabe cantar sem ter um autotune por trás, que ridiculariza quem consegue tocar um instrumento de modo decente e que pensa que a imagem é mais importante que a música em si. Da mesma forma, as entrevistas com os pais dos integrantes do trio são tocantes em sua pungência e sinceridade.
A todo momento, os caras do Rush jogam inconscientemente em nossa cara padrões de civilidade, camaradagem e, por que não dizer, de um humor totalmente Três Patetas, que são polaróides íntimas de suas ligações humanas, musicais e profissionais. A lealdade de Lifeson e Lee para com Peart por ocasião das tragédias que representaram as mortes da filha e da mulher do baterista – tratadas no filme com inacreditável delicadeza -, assim como a perseverança quase suicida do trio em não abandonar as suas convicções musicais depois do fracasso do álbum Caress of Steel, que justamente antecedeu o estouro mundial do disco 2112, poderia muito bem ser encontradas em grandes obras literárias de cunho medieval. E isso ao mesmo tempo em que a banda era impiedosamente massacrada pela “crítica especializada”, mais preocupada em agradar aos seus leitores “mudérnosssss” do que em retratar com sinceridade suas opiniões – algo que, infelizmente, ainda perdura nos dias atuais.
Da mesma forma, a sinceridade com que o trio discute as mudanças sonoras que fizeram ao longo da carreira chega a ser espantosa, a ponto de eu mesmo ter me questionado a respeito de minhas opiniões sobre alguns discos que julgo fracos, como o Hold Your Fire e o Roll the Bones. Os fãs, como sempre, são mostrados como pessoas devotadas ao grupo, embora seja perceptível o grau de comprometimento mental de alguns, apesar do disfarce propiciado pelo discurso articulado da maioria dos entrevistados.
Quando termina a cena final, que mostra um jantar entre Lee, Lifeson e Peart, a sensação é que esses três “bobalhões” – assista ao filme para entender tal expressão – são caras como eu e você, embora geniais como instrumentistas e compositores.
Hoje, que artista se enquadraria nesta categoria? Pense nisso…
Aproveito esse espaço para dizer que agora também estou no twitter, sigam-me: @RegissTadeu

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